sábado, 18 de agosto de 2007

"Segundo nossos ancestrais, é necessário sustentar o céu para que não caia. Ou seja, não é que o céu está firme, mas sim, de vez em quando fica fraco e quase desmaia e se deixa cair como as folhas caem das árvores, e então acontecem verdadeiras calamidades porque o mal chega ao milharal, a chuva o quebra todo, o sol castiga o solo, quem manda é a guerra, quem vence é a mentira, quem caminha é a morte e quem pensa é a dor.

Disseram nossos ancestrais que isso acontece porque os deuses que fizeram o mundo, os primeiros, se empenharam tanto em fazer o mundo que, depois de terminá-lo, não tinham muita força para fazer o céu, ou seja, o telhado de nossa casa e o colocaram assim do jeito que deu, e então o céu foi colocado sobre a terra como um desses telhados de plástico. Ou seja, o céu não está bem firme, mas, às vezes, parece que afrouxa. E é necessário saber que, quando isso acontece, se desorganizam os ventos e as águas, o fogo se inquieta e a terra quer se levantar e caminhar sem encontrar sossego.

Por isso, os que chegaram antes de nós disseram que, pintados de cores diferentes, quatro deuses voltaram ao mundo e, tornando-se gigantes, se colocaram nos quatro cantos do mundo para prendê-lo ao céu para que não caísse, ficasse quieto e bem plano, para que o sol, a lua, as estrelas e os sonhos caminhassem por ele sem sofrimento.

Mas aqueles que deram os primeiros passos por estas terras contam também que, às vezes, um ou mais dos pilares, os sustentadores do céu, é como se começasse a sonhar, a dormir ou a se distrair com uma nuvem, então o seu lado do telhado do mundo, ou seja, o céu, não fica bem esticado, e então o céu, ou seja, o telhado do mundo, é como se afrouxasse e é como se quisesse cair sobre a terra, e já não fica plano o caminho do sol, da lua e das estrelas.

É isso que aconteceu desde o início, por isso os primeiros deuses, os que deram origem ao mundo, deram uma tarefa a um dos sustentadores do céu e ele deve ficar de prontidão para ler o céu, ver quando começa a afrouxar, então este sustentador deve falar aos demais sustentadores para que acordem, voltem a esticar o seu lado e as coisas se acomodem outra vez.

E este sustentador nunca dorme, deve sempre estar em alerta e de prontidão para acordar os demais quando o mal cai sobre a terra. E os mais antigos no passo e na palavra dizem que este sustentador do céu leva um caracol pendurado no peito e com ele ouve os ruídos e os silêncios do mundo para ver se está tudo certo, e com o caracol chama os outros sustentadores para que não durmam ou para que acordem.

E dizem aqueles que foram os primeiros que, para não adormecer, este sustentador do céu vá e vem pra dentro e pra fora do seu coração, pelos caminhos que leva no peito, e dizem aqueles mestres mais antigos que este sustentador ensinou aos homens e às mulheres a palavra e a sua escrita porque, dizem que enquanto a palavra caminha pelo mundo é possível que o mal se aquiete e no mundo esteja tudo certo, assim dizem.

Por isso, a palavra do que não dorme, do que está de plantão contra o mal e suas maldades, não caminha direto de um lado pra outro, mas sim anda rumo a si mesmo, seguindo as linhas do coração, e para fora, seguindo as linhas da razão, e dizem os sábios de antes que o coração dos homens e das mulheres tem a forma de um caracol e aqueles que têm bom coração e pensamento andam de um lado pra outro, acordando os deuses e os homens para que fiquem de plantão para que no mundo esteja tudo certo. Por isso, quem vela quando os demais dormem usa o seu caracol, e o usa para muitas coisas, mas, sobretudo, para não esquecer.[1]"



[1] Do comunicado Chiapas: a décima terceira estela – terceira parte: um nome, de julho de 2003.


Trecho retirado da obra "EZLN-Passos de uma Rebeldia", por Emilio Gennari.

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