quinta-feira, 25 de outubro de 2007

(Co)Moção à arte na ata ENEL 2007



Rafael dos Prazeres. Universidade do Estado da Bahia Letras/Inglês.


Não são remotas em minha cabeça as imagens de cada reunião participada no último Encontro Nacional dos Estudantes de Letras: ENEL 2007, em Curitiba. Dentre outros tópicos bastante discutidos, a arte, mesmo camuflada por inteligência ou ignorância, era um dos temas presentes em cada uma daquelas reuniões.
A priori, a tendência foi convergir a Arte com a Cultura, organização cultural ou coisas afins. Por exemplo, a discussão muito bem findada a partir da vivência dos estudantes ao longo do encontro e expostas nas plenárias estadual e regional foi A monofonia nas atividades culturais. Por algum motivo o “Office Boy” ficou tatuado nas pessoas e reiterado a cada cápsula noturna ingerida. Mesmo nesse caso, a música era a única representante da divisão clássica como uma das sete expressões artísticas.
A posteriori, a arte atrelada à parte acadêmica foi de fato inexistente, pois, mesmo quem trabalhou com esse tema, não encontrou material para tanto nos Mini-cursos. Comunicações, Conferências, Mesas-redondas, Palestras e Oficinas envolvendo a Literatura como meio de discussões para arte nela mesma, segundo o Jornal do evento, totalizaram-se em oito. A metade deles foi realizada? Não sei responder devido o alto nível de cancelamento dos brilhos existentes na programação impressa.
O curso de Letras, filho do curso de Belas Artes, traduzido para Esperanto em “Belletro” ou para Inglês em “Language Arts” além do sistema lingüístico (A ciência), da eterna implosão dos padrões (a norma gramatical), das atividades ideológicas (A política), engloba em sua essência A Arte por meio da Literatura. Não mais o conceito superficial de quem desconhece seu significado ou de quem não se aprofunda em sua etimologia, ou de quem repele a filologia desse viés no curso. A Literatura passa a ser, então, o uso estético da linguagem. Seja através de um tema, seja através de uma forma, seja através de uma técnica ou sentimento, Seja por detrás de uma idéia, de um pensamento, d’um cotidiano ou do papel em branco, do sem-papel, na parede, na identidade, no gibi, na Bíblia, na história ou mesmo na pré-história há literatura. Muitas vezes quando não sabemos o significado de uma palavra, ela deixa de ser palavra em si para transformar-se em desenho apenas. O significante transmite aura, pois é dele que tudo começou. Já dizia Walter Benjamin na sessão Ritual e Política do texto Obra de Arte na era da reprodutibilidade técnica que a forma mais primitiva da obra de arte no contexto da tradição se exprimia no culto. No entanto, as técnicas de reprodução obrigaram essa arte aurática a adequar-se ao novo ditame e a essa nova função social: Criada para ser reproduzida. E a fundar-se em outra práxis, a política.
Hoje, infelizmente, a idéia que se tem sobre arte passa pelo conceito de tudo aquilo que se mantém coerente a um tema, em sua maioria político-social, ou um sentimento, o amor. Nem mesmo Brecht, esteve presente em algum momento político do ENEL. Falar sobre os contos de Drummond ou textos originais de Gibran Khalil Gibran ou de Mallarmé eram crimes naqueles mesmos espaços. Nem mesmo Paulo Leminsky, grande poeta Curitibano, fora mencionado.
Escrever um poema notificando o poder fonético de cada sílaba, de cada palavra e saboreá-lo depois, dar um significado aos espaços em branco na folha, utilizar as imagens ao nosso redor para provocar palavras na cabeça das pessoas ou utilizar palavras e provocar cheiros e sensações é uma arte sã. É uma técnica que nem todos sabem manusear, pois, senão todos seríamos poetas ou escritores ou artistas.
Essa (co)Moção à arte é um acréscimo ao que não foi posto na ata nacional por, mais uma vez, não ser considerada importante. Minha insatisfação parte dos seguintes pontos: A arte pra mim é literalmente o meu ganha-pão; Faz parte do quarteto de crenças que tenho em relação a mudanças sociais e um dos poucos pontos efetivos nessas mudanças; A arte é o caminho que vejo para driblar as ilusões humanas, os códigos irracionais dissimulados em interesses pessoais, piedade ou razão. A arte é o meu sentido, minha prática, minha produção. Através da arte posso fazer um estudo sincrônico do nosso país e configurar os próximos passos dos homens representantes deles mesmos. Posso falar de maneira simples ou prolixa sobre sentimento. Posso utilizar diferentes concepções acerca de um mesmo tema. É minha víscera.
Lanço uma ação de repúdio aqueles que observam as expressões artísticas unicamente como “atividade lúdica” para ser consumida no final dos eventos ou, então, como entretenimento durante os mesmos. A arte não é um Ludo, portanto, não é um jogo. Se conversarmos com Ariano Suassuna ou Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Mario Cravo Jr., Selton Melo, dentre outros artistas brasileiros não encontraremos muito de jogo no meio deles. Se observarmos o entretenimento na arte, vamos perceber em sua metáfora o povo imerso na “arte de quem faz arte com o povo” somado a um jogo de interesse por todos eles.
Para dar a palavra ao Dicionário Aurélio básico da Língua Portuguesa, arte é a 1-Capacidade que tem o homem de pôr em prática uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar uma matéria. 2 – A utilização de tal capacidade, com vista a um resultado que pode ser obtido por meios diferentes. 3 – Atividades que supõe a criação de sensações ou de estados de espíritos de caráter estéticos carregados de vivência pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação.
No idioma Português, podemos fazer um grande passeio da materialização do pensamento de maneira muito bem moldada. Desde os sermões do Padre Antônio Vieira e os poemas visuais de Gregório de Mattos, passando por, Monteiro Lobato e Fernando Pessoa, Os Irmãos Campos e Nelson Rodrigues até Jessier Quirino e artistas em blogs ou outros meios na internet encontramos produção de qualidade e, sobretudo, fruto de grandes estudos e aplicações.
Enquanto acho demasiada plenitude e inalcançáveis ações (quando restrita somente aos estudantes de letras desse país e diante da analise do quadro político atual) em prol da retirada das tropas brasileiras no Haiti ou pela Re-estatização da Companhia Vale do Rio Doce, eu encontro realidade e solidez na atenção que o curso pode dar a si mesmo quando incorpora ao seu objetivo campanhas nacionais pelo estudo da literatura popular, africana e de línguas indígenas envolvendo questões históricas e políticas; Questões referentes ao meio ambiente natural e a educação que pouco de nós temos em relação ao tema; e a Literatura na ação “Sankofa” de estudar o Grego e o Latim para edificarmos textos e idéias mais coesões.
Não sou parceiro do mito de Pandora, tampouco creio em textos estéreis que jazem obsoletos em armários, pastas ou arquivos no computador. Pretendo sempre, enquanto fizer parte do grupo estudantil de letras, lutar para que a arte seja respeitada nos encontros e tenha seus espaços de discussões, seus espaços de apresentações organizado pela comissão de Cultura da ExNEL e não por estudantes amontoados em porões, amotinados contra o esquecimento perene dessa expressão humana.


Quaisquer que sejam as inteligências, a instrução e o amor vinculado à arte constitua, ainda, os melhores meios para a liberdade.

seja o primeiro a comentar!